Palestra de hoje: “Filosofia da História (Vico e Croce)”, no curso “Brasil italiano”, promovido pela Amici d’Italia e Academia de Letras, no Automóvel Clube de São José do Rio Preto, às 20 horas, quarta 24 de abril de 2013, por Salvatore D’ Onofrio: entrada livre.
Gianbattista Vico (1668 -1744): Historiador, filósofo, jurista.
Benedetto Croce (1866 -1952): filósofo, historiador, esteta, político.
Dois fatores associam estes dois grandes pensadores italianos: a vivência na mesma cidade e o culto à história.
I) Os dois viveram e morreram em Nápoles (Magna Grécia), cidade no Sul da Itália, famosa por belíssimas paisagens (baía, Vesúvio, Pompéia, Capri, Ischia, Sorrento, costa amalfitana), pela melodia das canções napolitanas (em dialeto local: “O Sole mio”, “Torna a Surriento”, “Santa Lucia”, “Funiculì, Funiculà” e tantas outras) e pela culinária mediterrânea (massas, pizzas, café expresso).
2) Culto da História: os dois se deixaram levar pelo axioma latino “historia magistra vitae”. A história é a mestra da vida no sentido de que o presente deve ser vivido com base na experiência do passado e com olhos postos no futuro. O passado é a tradição sem a qual não há cultura. O gênio é um anão sentado sobre uma montanha, o gigante do passado, ao que acrescenta algo mais. Mas o passado deve ser visto sem idolatria, pois não é perfeito, nem imutável. Ele deve ser estudado para não repetir os mesmos erros, que travam a evolução da humanidade. A imobilidade é a morte: Lúcifer preso num lago de gelo até o pescoço, no 9º (último) círculo do “Inferno” de Dante.
As Escrituras consideradas Sagradas (Os Vedas, a Bíblia, o Corão) remontam a uma época em que se acreditava que a Terra era uma plataforma fixa sobre o mar, entre o Céu e o Inferno, o Sol girando ao seu redor para aquecê-la. Além de lorotas cosmológicas, os ensinamentos do monoteísmo judaico, cristão e muçulmano contêm horrores éticos, que comprometem a convivência social, como guerra, escravidão, preconceito racial (africanos com a marca de Caim), condenação à morte de homossexuais, adúlteras, infiéis, heréticos, filhos desobedientes.
Só a partir da Renascença, com a invenção de bússolas e telescópios, foi verificado que a Terra não era o centro do Universo, mas apenas um planeta girando ao redor do sol. Com a Revolução Francesa (1789), os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade e o trabalho dos enciclopedistas fizeram o homem tomar consciência de que o estudo da natureza, pela ciência e não pela crença, é direito e dever de todo ser pensante. Depois veio Darwin, com sua “Origem das Espécies” (1859), a substituir o dogma da criação pelo princípio da evolução, com base na lei da seleção natural.
A crença na criação foi abalada mais ainda pela moderna astrofísica que calcula que apenas a Via Láctea, a nossa galáxia, tem, aproximadamente, 200 bilhões de estrelas, cada qual com vários planetas e luas. Se somente a Via Láctea é composta de quase um trilhão de mundos, imaginem a imensidão de um Universo com centenas de trilhões de galáxias! Por que Deus, Arquiteto e Pai eterno, teria criado uma infinidade de mundos, se queria apenas que os habitantes do minúsculo planeta Terra O glorificassem?
Mais recentemente, a física quântica vem demonstrando que não existe o vazio, mas apenas o vácuo composto pela matéria ou energia escura, que dá unidade a todos os corpos celestes, formando a harmonia do Universo. Einstein, o pai da teoria da relatividade, demonstra que é inesistente a separação entre tempo e espaço. A neurociência, por sua vez, está confirmando a teoria do “ilemorfismo”, a conjunção inseparável da matéria (ilê) de sua forma (morfê = idéia, espírito ou alma), de que já falava o filósofo grego Aristóteles, discordando de seu mestre Platão que imaginava o mundo das idéias existindo fora da realidade física. Para Aristóteles, a parte espiritual do homem (a alma) é distinta, mas não separável de sua parte material (o corpo). O mesmo conceito é utilizado pelo lingüista suíço Ferdinand de Saussure ao estudar a relação entre significante e significado, usando a bela imagem da folha de papel com as duas faces, distintas, mas inseparáveis.
Gianbattista Vico, que morreu algumas décadas antes da Revolução Francesa, considerado o pai da Filosofia da História, em sua obra principal, “Princípios de uma Ciência Nova”,consegue formular uma síntese entre a teoria linear do desenvolvimento histórico da humanidade, centrada na idéia do progresso, e a teoria cíclica dos cursos e recursos históricos, baseada no princípio da recorrência. Interpretando livremente o pensamento do historiador napolitano, pela teoria linear ou do desenvolvimento irreversível, um período da história do homem divide-se em três etapas, correspondentes aproximadamente à evolução do ser humano:
fase religiosa (infância), a época dos deuses e dos reis, quando predomina o governo teocrático, o culto dos heróis nacionais, o instinto, a natureza violenta, a imaginação;
fase filosófica (juventude), a época da razão, do pensamento reflexivo, da criação artística mais apurada (teatro, poesia lírica, artes plásticas);
fase científica (maturidade), a época da observação e da experimentação, politicamente centrada na democracia e na ordem social.
Pela teoria cíclica, diferentemente, cada período se renova ao longo da história de uma forma alternativa, o fim de um ciclo de cultura dando origem a uma nova fase de barbárie, e assim sucessivamente. Isso explicaria por que civilizações outrora gloriosas, como a grega, a egípcia, a chinesa, entraram em declínio, quase voltando ao estágio primitivo. Talvez o entendimento da história como “cursos e recursos” tenha influenciado o filósofo alemão Hegel (1770-1831) na formulação do famoso processo dialético: tese, antítese e síntese.
Benedetto Croce releva a importância cultural do seu patrício napolitano no artigo Filosofia di Giambattista Vico (1910), acrescentando, contra o pensamento positivista da sua época, que a realidade, sendo de natureza espiritual, não deve ser entendida somente à luz da ciência, implicando no conhecimento da filosofia, da arte, da ética e da economia. E a única disciplina que engloba todo esse saber é a História. Croce passa, então, a elaborar uma versão filosófica do liberalismo. Para ele, a própria história não é outra coisa senão a gradual afirmação da liberdade.
Daí sua rejeição ao fascismo, após um primeiro momento de namoro com as propostas patrióticas de Benito Mussolini. Quando o estudioso napolitano percebe a essência totalitária do governo fascista, querendo se impor pela violência e não respeitando as liberdades cívicas e individuais, ele se revolta publicamente contra o regime ditatorial, redigindo o “Manifesto degli intellettuali antifascisti” (1925).
Benedetto Croce foi um grande erudito e esteta, escrevendo brilhantes ensaios sobre a filosofia de Aristóteles e de Hegel, a poesia de Dante, o teatro de Shakespeare, entre tantos outros. Ele passa a considerar a Utilidade (economia) como mais uma categoria da espiritualidade humana, junto com a Beleza (estética), a Bondade (ética) e a Verdade (lógica): o belo, o bom, o verdadeiro e o útil formam uma coisa só. E o caminho para viver o conjunto dessas categorias é o pensamento reflexivo sobre a história, acompanhando o progresso científico e a evolução da arte.
Essa exaltação dos valores humanos, proposta pelo crítico italiano, recentemente é retomada pelo psicólogo evolucionista Steven Pinker (Os Anjos Bons da Nossa Natureza, 2013), à luz da “revolução dos direitos”, que estourou em 1968 em Paris, espalhando-se por outras cidades do mundo inteiro. Pinker analisa a tendência humana da razão e empatia em luta contra os instintos selvagens do egoísmo e da violência. Ele está convencido de que o progresso social poderá ser acelerado pelos avanços científicos, especialmente se problemas políticos, econômicos, judiciários e éticos forem submetidos a abordagens racionais, deixando de lado crenças em ídolos religiosos ou lideres políticos. Se já conseguimos debelar a escravidão, por que não podemos diminuir, cada vez mais, o autoritarismo, a corrupção, a impunidade, a intolerância religiosa, as injustiças sociais, qualquer forma de preconceito?
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