Embrião e engrenagem inicial de uma grande obra social que já rompeu fronteiras e chegou ao Exterior, a Festa do Milho, que acontece hoje e no próximo domingo em Jaci, terá na sua organização um exemplo de solidariedade recíproca: quatro haitianos estão na região há três meses, convidados pelo mentor da obra, frei Francisco Belotti. Por aqui, enquanto arregaçam as mangas e ajudam a manter vivo um projeto que já refletiu na vida deles, os haitianos se preparam para a vida religiosa e vão representar a continuidade das ações já desencadeadas no país destruído pelo terremoto.
Os quatro jovens haitianos, de origem humilde e ainda com as marcas no coração e na mente do desastre natural, em janeiro de 2010, descobriram na Igreja a esperança de dias melhores e a busca pela igualdade e solidariedade. O noviço José, 20 anos, desde criança acompanhava os pais às missas dominicais. Acreditava ter vocação para ser um membro da Igreja, mas o pensamento só foi amadurecido quando teve contato com a missão dos frades do Lar São Francisco de Assis na Providência de Deus, de Jaci, em Porto Príncipe, capital do Haiti.
Depois de perder um sobrinho de 2 anos, uma cunhada, sua casa e sentir na pele a dificuldade para conseguir água e comida e ainda viver o caos e estado de pobreza de seu país, ele resolveu procurar os freis e iniciar sua vida na Igreja no intuito de fazer o bem ao próximo. “Quando vi os freis vestidos com o hábito fazendo o possível para ajudar a todos, meu coração foi tocado e decidi que era isso que queria para minha vida”, afirma.
Enquanto José fez seus primeiros trabalhos na Igreja com os freis, Zaqueu, 27 anos, outro que está em Jaci para conhecer um pouco mais os franciscanos e se tornar um deles, já fazia desde os 14 anos trabalho semelhante ao da missão no Haiti. “Dava aulas de catequese e ajudava resgatar crianças da rua. Esse sempre foi o meu dom”, disse.
Após o terremoto, ele se dedicou ainda mais a ajudar os afetados pela tragédia. Foi quando, em uma tarde, esbarrou na rua com um dos freis de Jaci e viu que juntos poderiam ser mais fortes. “Ele me convidou para fazer parte da missão, já que eu desenvolvia um trabalho semelhante ao deles. Não pensei duas vezes e aceitei.”
Zaqueu, José, Jonas, 23 anos, e Benedito, o mais novo, com 20 anos, vieram ao Lar de Jaci para passar um ano recebendo formação para finalmente se tornarem freis e voltar ao país de origem em março do ano.
“No Haiti não temos condições para prepará-los, por isso vieram ao Brasil. No início do ano que vem, eles voltarão para o seu país para reforçar a missão”, afirmou frei Francisco Belotti.
Missão
Os trabalhos do Lar de Jaci no Haiti tiveram início em fevereiro do ano passado, quando um grupo formado por quatro freis enfermeiros (brasileiros) e dez voluntários de outros países resolveram ajudar a população carente afetada pelos terremotos que chegaram a 7 graus na escala Richter. Na tragédia, morreram pelo menos 100 mil pessoas e muitas cidades foram destruídas, entre elas a capital Porto Príncipe.
Inicialmente os trabalhos foram feitos em tendas improvisadas na rua e as aulas ministradas ao ar livre, mas em novembro do ano passado, o Lar ganhou da Arquidiocese de Porto Príncipe uma chácara com um imóvel.
A casa ainda não é utilizada porque necessita de reforma, porém no terreno foram instaladas 20 barracas para atendimentos, principalmente de crianças.
De acordo com o frei Francisco Belotti, são 500 atendimentos por dia, entre cuidados médicos e alimentação. “Isso que ainda fazemos uma triagem e optamos por atender os mais necessitados”, diz. Para o próximo mês é aguardada a presença de membros da Cáritas Brasileira – entidade que trabalha na defesa dos direitos humanos, para oficializar a doação de uma escola pré-moldada.
Pessoas de boa vontade ajudam a organizar
A Festa do Milho é feita por voluntários. Até mesmo os funcionários da associação trabalham sem receber por isso nesta data. “Nos dois domingos todos são voluntários para um bem maior”, afirma frei Francisco Belotti.
Junto com a festa, em 1989, surgia o prazer pelo trabalho voluntário do casal Edson Mosca, 73 anos, e sua mulher Paulina Ferreira Mosca, 73 anos.
Desde o primeiro evento eles ajudaram de forma gratuita. “Com meu trator ajudei a limpar toda a área do lar. Sempre colaboramos com muito prazer. Chego a ficar arrepiado em ver esse trabalho bonito”, disse Edson. A ideia da Festa do Milho surgiu quando frei Francisco Belotti, recém-chegado a Jaci, observou que diversas famílias que cultivavam milho se reuniam aos domingos para fazer comida. “Cada dia um buscava o milho de sua roça. Enquanto um ralava, o outro cozinhava. Então pensei em fazer uma festa só com receitas à base de milho”, afirma Belotti.
O casal Mosca fazia parte de uma dessas famílias e desde então não parou mais de ajudar. Nas duas últimas semanas, eles, que são vizinhos do Lar de Jaci, se revezavam entre os afazeres de casa e o trabalho voluntário. Sem perder a disposição, Edson descascava dezenas de espigas de milho enquanto Paulina ralava. “Gosto muito de ser voluntário e saber que de certa forma tenho participação em tudo que é feito pelo Lar”, disse.
‘Podem me chamar de Irmã Clara’
A jornalista Michelle Berti, 27 anos, ex-repórter do Diário da Região, deixou para trás sua carreira, namorados e bens para se dedicar totalmente à religião. Nascida e criada em Jaci, praticamente no quintal do Lar São Francisco de Assis na Providência de Deus, a jornalista se apaixonou pela causa e virou freira.
A relação com a Igreja sempre existiu, desde a sua infância, mas os laços foram estreitados há um ano e meio, quando ela trocou o Diário pela assessoria de imprensa do Lar de Jaci. “Estava vivendo aquilo que eu sempre rezava. Antes falava que não tinha nada a ver eu me tornar freira, mas comecei a pensar diferente”, disse. No começo, ela fazia uma direção espiritual com o frei Joel Souza e aos poucos o trabalho foi se tornando um acompanhamento vocacional.
Com apoio da família, ela se tornou umas das franciscanas na Providência de Deus, fraternidade ainda em experiência que possui cinco irmãs. A medida levou a mudanças drásticas na sua vida, como, por exemplo, abrir mão de sair com amigas, festas e rarear o contato com a família por dois anos. “É um período em que nos descobrimos, portanto precisamos ficar sem contato externo para não interferir na decisão”, afirma. Michelle deixou de lado a correria de atendimento à imprensa e público para se dedicar a uma rotina de estudos, trabalho nas obras do Lar e trabalho de casa. “Engana-se quem pensa que a nossa vida é monótona”, revela.
Sinal
Ela tem psoríase, uma doença inflamatória da pele que está diretamente ligada ao estresse. O problema aparecia sempre que ela tinha algum tipo de nervosismo, mas desde que entrou para a comunidade das franciscanas, a doença da pele desapareceu. “Isso é um sinal de que estou bem, apesar de todas essas mudanças radicais. Em mim, a doença estava relacionada ao nervosismo e não apareceu mais. Estou muito feliz com a minha decisão e convido todas que tiverem interesse a vir conhecer o nosso trabalho.”
Para seguir a carreira religiosa, Michelle adotou o nome de irmã Clara. Na historiografia da Igreja, Santa Clara é uma das figuras mais fortes. Contemporânea e admiradora fervorosa de São Francisco de Assis, Clara fundou a Ordem das Clarissas, que seria uma vertente feminina dos franciscanos. Quem quiser conhecer a Fraternidade ou pensa em seguir a vocação religiosa pode conseguir informações pelo site www.franciscanosnaprovidencia.org.br ou pelo telefone (17) 3283-9070.
Tudo gostoso e bem feito
As delícias do milho verde devem atrair 100 mil pessoas hoje e no próximo domingo em Jaci. A tradicional Festa do Milho, que arrecada fundos para as 64 obras sociais administradas pela Associação e Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus, em sua 23ª edição, transforma 120 toneladas de milho em receitas que vão de pamonha a sorvetes e suco.
A novidade é o chipaguaçu, milho cortado e batido com leite, temperado com queijo em cubos e cebola frita. A barraca da polenta também terá os tipos cozida, assada e frita. Três novos barracões cobertos foram construídos para abrigar o público. Este ano será inaugurada a Casa da Nona, que vai receber uma avó italiana mostrando como se faz polenta. De acordo com o frei Joel Souza, um dos coordenadores, a festa tem ambiente familiar, por isso existem cardápio e atrações para crianças e adultos. “É uma festa da solidariedade, cuja verba é utilizada para manter as nossas instituições e a missão no Haiti”, disse.
O cardápio tem opções para almoço, como macarrão de milho e costela no tacho com milho, além de escondidinho, bombocado e suco de milho, entre outros. Na festa não é vendida bebida alcoólica. Para as crianças, o evento contará com trenzinho, charrete, cama elástica, tobogã, pula-pula e a fazendinha. Outra opção é o passeio a cavalo. A programação religiosa começa às 6h30, na Capela, com outras missas às 9h30, 11h, 13h e 15h. (Escrito por Elton Rodrigues).
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