JÁ ME CHAMARAM CHAPARRO
Já fui maltês de calções,
comi açordas num tarro.
Como hoje uso safões,
já me chamaram, Chaparro.
Eu vi na terra lavrada,
sementes que germinaram.
Em pão elas se tornaram,
frutos da jeira sagrada.
Ela foi sempre adorada
em fé, e nas procissões.
Por passar os meus serões,
na brinca e maltrajado,
quase nu e arrojado,
já fui maltês de calções.
Andava pelos alcanchais,
era mais leve que o vento.
Por ser rapaz truculento,
calcorreava os frajais.
Eu ia caçar pardais,
e vi o gado ao acarro.
Escanzelado e com pigarro,
ia aos cardos, aos agriões.
E à noite, durante os serões,
comi açordas num tarro.
A Terra deu-me guarida,
e também me deu sustento.
Ceifei, mondei, a contento,
para melhorar a vida.
Mostrou-se ela descabida,
madrasta, em suas questões.
Mandou-me ir pregar botões,
num capote belo e rico.
Usei num baile, um pelico,
como hoje uso safões.
Como foi visto e notado,
chegou um dia a vaidade.
Quis-me levar para a cidade
e pôs-me a cantar o fado.
Gani, como cão danado,
com rabuje e fui bizarro.
Quis ir estudar, ter um carro,
me aperaltar, ser bacano.
Porque sou alentejano,
Já me chamaram, Chaparro.
Manuel Manços
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