domingo, 6 de outubro de 2013

Jocelino Soares e seu A PROMESSA


A promessa
  
O caboclo é por excelência religioso. Antes de proceder qualquer ação na roça, ele elevava o pensamento para que tudo saísse a contento. Desde plantar, colher, e mesmo nas vendas, ele agradecia ao Todo Poderoso. E, quando as coisas iam de mal a pior, fazia promessa ao santo de sua devoção, se apegava a ele e, quando conseguia a graça, não se esquecia, pagando-a na primeira ocasião. Um dos religiosos mais atuantes naqueles tempos e o incentivador da ligação do homem do campo para com sua religiosidade foi, sem sombras de dúvidas, monsenhor Leibenites Cesário de Castro. O religioso, lembro-me bem, tinha programa na Rádio PRB8 toda quarta-feira, às 10h da manhã. As caboclas, enquanto cuidavam dos afazeres domésticos, ouviam a novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. A santa tinha tanto prestígio junto aos roceiros que, quando nasciam seus rebentos, tudo faziam para incluir “Perpétua ou Perpétuo” no nome da criança. Durante suas pregações, o vigário pedia em oração para que tivessem colheita farta e que ao final não se esquecessem de doar pelo menos uma saca de cereal à santa. Ele solicitava aos sitiantes e fazendeiros, e até mesmo àqueles menos favorecidos, que doassem criações no pasto, no mangueirão ou uma simples galinha no terreiro. Mas que vendessem e levassem em dinheiro vivo para ajudar na construção do santuário. Por essa época, o caipira sofreu duro golpe com as aves no terreiro. 
Uma epidemia quase dizimou os bichos no quintal. Não havia remédio nem bendição que desse conta da onda de mortandade. Preocupados, apelaram para a santa e fizeram promessas. O dono de um sítio vizinho, vendo seus animais morrer, sem ter o que fazer, prometeu, caso cessassem as mortes, um bezerro à santa. Os dias se passaram, até que numa manhã, ao “correr” a invernada, o sitiante viu embaixo de um pé de guagivira a Mimosa com dois filhotes acabados de nascer. Não teve dúvidas. Um seria da santa e ali mesmo batizou-os de Brilhante e Dourado. O primeiro, por ser maior, seria o da santa. Tempos depois, aliviado, viu com satisfação o fim da tormenta e o aumento significativo na população do terreiro. Toda vez que ouvia monsenhor Leibenites no rádio, lembrava-se da promessa e pensava: “Quarqué dia desse vô pagá a promessa”. E o tempo ia passando e nada de ele cumprir o trato. No pasto, os bezerros estavam que era uma belezura. O da santa em pouco tempo tornou-se um belo garrote, ao passo que o irmão não acompanhava o desenvolvimento. Os caboclos das redondezas, ao verem os dois, notavam a diferença e comentavam que devia ser milagre, até porque Brilhante teve um crescimento surpreendente como nunca tinham visto. Era um animal muito especial e em breve daria um bom lucro, ajudando na construção do templo de Nossa Senhora, deixando o padre feliz. Numa tarde apareceu por lá um comprador de gado. Viu os touros e quis comprá-los. O sitiante não teve dúvidas em vendê-los, o preço estava convidativo. Claro, o Brilhante, como estão lembrados, era da santa, e mais bonito que o Dourado, por isso conseguiu quase o dobro do preço. O comprador levou os bois embora, deixando o ex-dono com o bolso cheio de “Cabral”. Sem se esquecer da promessa, colocou em dois envelopes o valor de cada touro com os respectivos nomes. No domingo, ao chegar frente ao altar da santa, ajoelhou e agradeceu o milagre alcançado. Só que depositou o envelope com o nome do boi Dourado. 

JOCELINO SOARES 
Artista plástico. Membro da Academia 
Rio-pretense de Letras e Cultura

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