domingo, 15 de novembro de 2009

Um sonho de Carnaval

Aninha nasceu lá no conjunto Renascer, naquelas casas de madeira, cresceu faceira, cheia de graça. Dançar então era sua maior diversão. Gostava de todo tipo de dança, mas encantou-se mesmo com o bailado das Portas-Bandeiras das Escolas de Samba. Com os olhinhos grudados na televisão, imitava quase todas, usando como bandeira um cabo de vassoura com um pano de prato amarrado na ponta. A mãe ria de tudo aquilo, enquanto Aninha era todo encantamento.
O tempo passou, e um dia ela foi trabalhar no Barracão da Império do Sol, aqui de Rio Preto. Foi contratada como mão de obra e cumpria essa função todos os dias. Fez amizades, aprendeu a profissão de aderecista e começou a ajudar a montar a fantasia da Porta-Bandeira da Escola. Um dia contou seu sonho. Esse sonho foi parar nos ouvidos do presidente da Escola que olhou para ela com carinho. Ninguém sabia, mas a antiga Porta-Bandeira havia desistido e ele procurava por uma substituta. Com instinto de quem está no samba há muito tempo, o presidente não titubeou e convidou Aninha para o posto da maior representante da agremiação. Aninha desmaiou. Acordou já tendo o compromisso de experimentar a sua vestimenta. Um espelho no Barracão refletiu a sua imagem que transbordou por todo o local. Aninha voltou no tempo, se viu dançando no quintal de sua casa e o transformou na Avenida. O sorriso não cabia em seu rosto.
Enquanto isso, nos bastidores, discutia-se a festa do Carnaval. O “seu presidente”, como ela o gostava de chamar, era só entusiasmo. Fez projetos, montou equipe, escolheu enredo, o samba, convidou cidades de fora para participar. Até o Balett da Cidade ele chamou. Trabalhou muito! Aninha via tudo aquilo e sentia orgulho do “seu presidente”. Sentia nele uma vontade enorme em colocar a sua Escola na Avenida. E ela seria a Porta-Bandeira. Ensaiava dia e noite, queria fazer bonito na passarela do samba e trazer a nota 10 para a sua agremiação.
Mas nos bastidores as coisas não iam bem. Ela sabia que “seu presidente” lutava muito para que o Carnaval acontecesse. Havia contratado até um escritório profissional em eventos, montado assessoria de imprensa, convidado a Casa do Hip Hop, o Folclore de Olímpia, a Escola Viva, gente de Bady Bassitt, de Bálsamo, de Buritama, de Cardoso, de Ibirá. Aninha sentia que “seu presidente” tinha muita vontade em colocar a Escola na Avenida. Desde julho ele trabalhava em seu projeto. Em setembro ela já trabalhava no Barracão. Todos ali tinham muita vontade em fazer o melhor para a Escola.
Mas um belo dia “seu presidente” chegou com um jornal na mão. Alguém ali decretava o fim do Carnaval. E o que é pior, afirmavam que as Escolas de Samba, entre elas, a comandada por “seu presidente”, não tinham vontade de desfilar. Aninha sabia que aquilo era uma tremenda mentira. A comunidade se esforçava, e muito, para adiantar os trabalhos. A sua Escola, como ela já considerava, queria muito desfilar, quem havia afirmado o contrário estava completamente enganado. Estava mentindo.
O Barracão silenciou, Aninha viu “seu presidente” deixar o jornal sobre uma mesa, pegar o pavilhão da Escola e sair cabisbaixo. Mas não foi só isso que ela viu. Olhou para o espelho do Barracão e viu aquela menininha, nascida lá no Renascer, dançando com um cabo de vassoura e um pano de prato amarrado na ponta ir se transformando aos poucos na Porta-Bandeira da Império do Sol. Dali ela foi parar na Avenida, linda, deslumbrante, cheia de alegria. Seu bailado era o de realeza, tinha um sorriso mágico nos lábios. De repente esse sorriso se apagou, não tinha ninguém na Avenida. Não fizeram o Carnaval. Alguém não quis realizar o sonho dela, daquela menininha do Renascer que sonhou um dia, ser a Porta-Bandeira da alegria!

Vicente Serroni
Presidente da Escola de Samba Império do Sol

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