Luciano Alvarenga
A tragédia de Santa Maria é resultado de uma roleta russa que envolve o descaso com a lei, a irresponsabilidade de empresários com a sociedade, a sanha do lucro rápido, o mais completo despreparo dos profissionais envolvidos nesses trabalhos em boates e tudo isso praticado todos os fins de semana por centenas, talvez milhares de casas noturnas, todos os fins de semana Brasil afora. Sem a menor condição de funcionamento, não atendendo as determinações legais para que funcione com segurança o fato é que em algum momento em algum lugar a tragédia iria e continuará a acontecer.
Pouco há a comentar sobre tragédias como essas, os erros são notórios, as irresponsabilidades evidentes, e o que deveria ser feito algo incontornável. Mas o fato é que as apurações criminais como são de costume no Brasil não serão feitas como deveriam. Da tragédia criminal até o martelo da lei, caminharemos meses, talvez anos pelos escaninhos de investigações, apurações, condenações, recursos, instâncias até que as esperanças de que alguém seja responsabilizado seja uma dor vivida única e exclusivamente pelos familiares das vítimas. Não raras e tristemente sem nenhum resultado.
Tão triste como assistir a morte de mais de duas centenas de pessoas, é acompanhar a sanha midiática e a adrenalina das emissoras de TV em transmitir todas as imagens possíveis, arrancar qualquer fala de quem quer que seja que lá tenha estado e de alguma maneira possa ser apresentado como protagonista da horrorosa tragédia. Enfiados entre caixões, familiares inconsoláveis, parentes e amigos angustiados por informação, profissionais médicos e bombeiros vão eles e suas câmeras transformando tudo em espetáculo, banalizando as dores, os sentimentos indizíveis por horas e horas de transmissão para que os outros milhões de pessoas a milhares de quilômetros dali, e que nada tem com aquilo, possam assistir.
Na cultura do espetáculo segue agora as redes sociais transformadas elas mesmas num novo ramal de mídia divulgando fotos, vídeos, comentários infelizes, popularizando e massificando dores e sentimentos que não compartilham, não dividem; desconsiderando o fato de que tudo isso é parte viva dos sentimentos de milhares de familiares diretamente envolvidos e que ainda que não queiram irão assistir na TV e na Internet sua dor e sua tragédia serem reproduzidas e contorcidas ao gosto de gente que apenas, e no mais das vezes, quer fazer parte de algo que só quer ter participação por não ter nenhuma. É a compulsão de participar, comentar, dizer que viu que sabe que “deu uma espiadinha”. É a cultura do espetáculo.
Pouca gente se importou com o fato de que milhões de reais, mais da metade, em alguns casos, dos recursos destinados pelo governo federal às vítimas das tragédias das chuvas no Rio de Janeiro, tenham sido desviados por corruptos de plantão. Os mesmos que ficaram chocados com a tragédia das águas, pouco se importaram ou se moveram em relação à corrupção praticada na oportunidade da desgraça alheia. A maior parte e a maioria das pessoas desalojadas no Rio de Janeiro nos últimos anos continuam a viver desabrigadas de bom destino sem que qualquer mídia ou os “de luto da internet” tenham se importado com isso.
Retirado todo o potencial midiático e audiência da tragédia, retirada toda oportunidade de altruísmo virtual estéril e o bom mocismo que lhe acompanha, voltemos a nossa vida até que algo do mesmo sinistro aconteça e tudo se repita.
Apenas as famílias das vítimas irão viver todo o real horror dessa tragédia.
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