domingo, 31 de janeiro de 2016

Mário Soler e seu belo UM LEVE SABOR TÂNICO


Minha coluna no "Diário da Região". 
O texto também está no livro "Coisas da Vida".

UM LEVE SABOR TÂNICO

Mário Soler 

Minha primeira experiência com vinho, na adolescência, foi um desastre.
Para comemorar a virada de ano, compramos um garrafão do legítimo "Sangue de boi", doce, muito doce, e tinto de tingir os beiços, deixando uma camada roxa na borda do copo.
Três copos colocaram-me a nocaute. E quase apanhei em casa, ao chegar amparado pelos amigos. Passei décadas sem provar novamente da bebida.
A simples visão dos garrafões na prateleira dava-me arrepios. Com o passar dos anos, refeito do baque, voltei a provar vinho moderadamente, sempre tinto e seco.
O noviciado levou-me a investigar marcas, preços, tipos de uvas e regiões produtoras. E foi aí que encontrei uma nova diversão, que indico para aqueles domingos chuvosos e entediantes: ler críticas de vinhos. É muito melhor que suportar o ‘mala’ do Faustão.
São textos herméticos, ressalvo, mas recomendo-os. Não há mau-humor que resista a uma leitura mais atenta.
O que queria dizer, por exemplo, o crítico que cunhou a expressão "um leve sabor tânico", para definir as características de um determinado tipo de vinho?
Amadeirado, frutado, amaciado, encorpado, volátil. Adstringente, floxado, fortificado... são apenas alguns termos a serviço de enófilos e enólogos, que adoram pronunciar-se em "vinicolês".
Pior. Há leigos que juram entender tudo isso, como um amigo, que enviou mensagem fazendo esta descrição de um vinho argentino:
- Tomei ontem um tinto frutado de taninos acentuados. O aroma primário lembrava uvas frescas e maduras, o secundário trazia a sensação olfativa da fermentação, o terciário um 'bouquet' incomparável.
Descobri que ele havia lido o mesmo rótulo que eu.
Antes que ele desatasse a contar sobre o “equilíbrio” e a “maceração” do produto cortei a conversa e corri ao glossário de uma entidade nacional de apreciadores de vinho.
Encontrei lá, enfim, a explicação para a expressão intrigante:
“...taninos são compostos fenólicos, caracterizados por sua capacidade de combinar-se com as proteínas e outros polímeros como os polissacarídeos. Esta característica explica sua adstringência causada pelas precipitações das proteínas e das glucoproteínas da saliva..."
Não ajudou muito, mas confesso que fiquei menos ignorante no assunto que há trinta segundos. 
Outro amigo, que começou a frequentar confrarias de vinho, destacou em bate papo o “retrogosto” de uma determinada marca. E ainda olhou com desdém para minha expressão de espanto.
Era mais um iniciado no mundo dos vinhos. Com ar superior ele indagou:
- E qual é a sua marca de tinto preferida?
Pensei em tomar emprestada a afirmação do enólogo americano Robert Parker, um dos mais prestigiados do planeta, para quem “vinho bom é aquele que o bebedor toma e gosta”.
Mas preferi provocar, indo direto ao ponto:
- Pra mim o melhor vinho é o sub-20... Sub 20 reais, o único que cabe no meu bolso.

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