sábado, 21 de novembro de 2015

A INTOLERÂNCIA DÁ ÂNSIA

Minha coluna no "Diário da Região" deste sábado (21/11).
...por que será que tanta gente perdeu a serenidade? Por que é cada vez mais rara a ponderação? Por que o equilíbrio ficou no meio do caminho, e o respeito foi posto na lixeira da rua?...

A INTOLERÂNCIA DÁ ÂNSIA

Mário Soler
Outro dia um motoqueiro apressado, desses que vão costurando, cortando pela direita e mostrando o dedo do meio para os outros motoristas, não conseguiu frear a tempo e bateu na traseira de um veículo parado no trânsito. Mesmo culpado pelo incidente, o condutor falou todos os palavrões conhecidos e por pouco não partiu pra agressão física.
No universo virtual a ira é a mesma. Nem de brincadeira inicie uma discussão nas redes sociais. Você terá grandes chances de ser insultado até a quinta geração. 
Tantos anos vividos, lidando com tanta gente diariamente, e não consigo compreender tamanha intolerância e a incapacidade crescente pra ouvir e dialogar, sem ver o próximo como um inimigo a ser destruído.
Por que será que tanta gente perdeu a serenidade? Por que é cada vez mais rara a ponderação? Por que o equilíbrio ficou no meio do caminho, e o respeito foi posto na lixeira da rua, junto com os calçados velhos que não se usam mais?
À primeira vista, poderíamos supor que a crise está deixando as pessoas iradas. Mas sei lá se cola. Mesmo em tempos de grana curta tem muita gente egoísta e intolerante comprando carrões, celulares de última geração, saindo pra jantar fora, esbanjando na noite, e, claro, humilhando o garçom pra não perder o costume.
Será que as coisas viraram do avesso porque estamos fechando escolas, abrindo ‘febenzinhas’ e inaugurando, solenemente, novos presídios?
Ou, pra ir mais fundo, seria um fenômeno destes tempos, ditos modernos, em que a novela da TV ensina às crianças, desde cedo, que o barato é a vida sexual precoce, é roubar o marido da amiga, enganar a todos, dar tombo na empresa da família, pisar no colega pra subir na vida? Afinal, é este o enredo de quase cem por cento das novelas da Globo. Ou estou enganado?
Será que esse ‘liberou geral’ nos costumes colocou em último plano os valores (morais, sociais e éticos) que trazíamos de berço? Ou eu é que estou ultrapassado, um velho ranzinza?
Houve um tempo em que aprendíamos em casa, com os pais e avós, às vezes à custa de beliscões, chineladas e safanões, a refletir antes de agredir, a respeitar os idosos, a não colocar as mãos em nada que não nos pertencesse.
Na escola, a rigidez de professores, do inspetor de alunos e dos diretores era aprovada com louvor pelos pais; enquadrar a molecada era quase uma ‘disciplina auxiliar’. A temida régua ficava à mostra, e, por vezes, apagadores voavam pela sala substituindo os aviõezinhos de papel.
Deixo a última palavra para estudiosos do comportamento humano, se é que eles não têm as mesmas dúvidas que eu.
Outro drama contemporâneo é o clima de ódio e fanatismo que espalha-se pelo mundo e parece incontrolável. O inferno são os outros, os diferentes.
Atentados terroristas vitimam inocentes, alheios à cobiça dos governos por regiões estratégicas do planeta. A guerras, declaradas ou não, buscam sempre o poder e o lucro. E danem-se a paz e a segurança.
Não que eu, ingenuamente, queira viver num mundo povoado de anjos. Ia ser um saco.
Creio que o mestre Tião Carreiro experimentava ansiedade semelhante, em tempos muito menos turbulentos, quando gravou o clássico “Mundo Velho”. Diz um trechinho da letra:
“Mundo velho mudou tanto/ Que já está entrando areia / Grande pisa nos pequenos / Coitadinhos desnorteiam / Quem trabalha não tem nada / Enriquece quem tapeia / Pobre não ganha demanda / Rico não vai pra cadeia”.
Talvez a sabedoria caipira explique, em parte, o que parece não ter explicação. O resto eu não sei.

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