sábado, 24 de outubro de 2015

O QUE CENTERARFO TEM A VER COM OUTLET


Mário Soler
A invasão estrangeira começou discreta. Palavras como abat-jour, boite, ballet, boutique, buffet, cheeseburger, diet, telemarketing, self-service, outdoor, ganharam um sotaque nacional, foram aportuguesadas e tomaram conta do nosso dia a dia.
O futbol, que importamos da Inglaterra, trouxe um vocabulário próprio: os primeiros matches (jogos) tinham craques atuando como goalkeeper, centerhalf (que na várzea virou centerarfo); jogadas impugnadas pelo off-side (aqui, banheira ou impedimento); o corner batido lá do cantinho; o penalty sempre polêmico (sem ironias, por favor, meu Corinthians ainda não existia naquela época!), e o goal, essa expressão máxima do soccer game.
Deixa só eu fazer um parêntesis pra lembrar que, nos dias de hoje, quando o gol é do Brasil e a narração é do Galvão Bueno, essas três letrinhas somam-se a outras e multiplicam-se em patéticos uivos patrióticos. 
- Éééééé-do-Brasiiiiilllllllll... Eeesseeeee é o futebol brasileiro!!
Futebol brasileiro mais pra joke que pra celebration.
No começo dos anos setenta, dona Plácida de Assis, minha professora de português lá na escola Pedro Pedrosa, em Nhandeara, já alertava para o excesso de estrangeirismos.
Aprendemos, se não me traem os poucos neurônios em condições de uso, que galicismo não é uma doença que ataca os galos, mas sim a invasão de outra língua por termos da língua francesa (região da Gália).
E que anglicismo não é seita, não. É a propagação de termos ingleses em uma outra língua, como acontece hoje fartamente com a nossa inculta e bela. (Espero ter passado com louvor na reprise daquela longínqua aula).
Hoje, na nobre área da publicidade, por exemplo, a única palavra que usamos em português é... publicidade. Quando não aparece alguém pra dizer advertising.
O mundo do business tem uma queda pelo estrangeirismo. Enquanto devoram um fast food dois executivos discutem um certo workflow (corro ao dicionário é descubro que isso nada mais é que “fluxo de trabalho”).
Orçamento, verba, vira budget, me ensina o dicionário. O chefão da empresa é o CEO - Chief Executive Officer, aquele cara que a qualquer momento pode telefonar pra você dizendo: “you're fired!”
Um amigo do ramo de negócios manda mensagem logo de manhã:
- Soler, tenho um job, você se interessa? É da sua expertise, cara!, endomarketing! Dê um feedback pelo whats... Deadline 12h.
Como é que a gente falava isso em português mesmo? Alguém me socorre?
Há algumas décadas, quando os conceitos de administração moderna engatinhavam, uma jovem gestora, antenada, costumava reunir os colaboradores da firma pra cobrar:
- Quero ideias novas, muitas ideias... Nosso brand precisa de um “plus a mais”!
E no afã de seguir essa maré estrangeira, um conhecido abriu um lava rápido e enfeitou a fachada com um letreiro charmoso: “fast clean”. E as velhas entrevistas cara a cara viraram talk show.
Até a popularíssima liquidação resolveu ficar esnobe. Nada de “grande saldão”, “queima total de estoque”, “liquidar pra entregar o ponto”, “deu a louca no gerente...”
Agora, chiquemente, da lojinha ao megastore, os termos são outros: “outlet”, “60% off”, “clearance sale”.
Aonde vamos, meu pai! Eu que cresci engolindo o “s” do plural e trocando o “l” pelo “r”, de vez em quando paro e cismo: será que ainda tenho tempo pra assimilar esse modismo tão chique?

Coluna de hoje no Diário da Região.
 Especial pra quem gosta de falar chique.

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