terça-feira, 2 de abril de 2013

DENGUE: a inconsequência pede socorro


Cacau Lopes*

Há momentos na vida da gente, certos períodos da história, em que o melhor que se tem a fazer é permanecer em silêncio, quieto, aguardando um acontecimento inesperado, fruto do acaso e capaz de chacoalhar o curso do tempo cronológico. Está difícil suportar a cretinice e a mediocridade que assola o nosso país e a nossa cidade. Somos insultados, todos os dias, com o desrespeito e o desdém com que a coisa pública é tratada. Não me lembro de ter assistido uma administração tão degenerada e inconsequente como está que se instalou em nosso município nos últimos quatro anos e três meses. Imoralidade bancada com os nossos impostos. Gestão indecorosa na qual secretários não sabem e não respondem nada, edis juniores praticam velhacarias, lambaris são fisgados por tubarões e o joio se traveste de trigo. Olhe para a maioria do atual secretariado e dos vereadores da nossa câmara e vê se você se sente representado enquanto cidadão rio-pretense nisso que está aí. Todos eleitos com o nosso voto ou com a nossa omissão: não caíram do céu.
Ultimamente, me impus toque de recolher. Passo a maior parte das horas refletindo sobre o que falar para os meus alunos de medicina e só tenho incertezas. Certeza mesmo, só a de que a nossa saúde pública descuidada e a desvalorização do trabalho médico são irmãs siamesas, caminham de mãos dadas rumo ao encontro da morte, da nossa morte por umas dessas epidemias que contaminam nosso sangue e congelam nossas almas. Esses senhores, que tomam a política como profissão, meio de vida, estão zombando da nossa cara descaradamente. Como médico sanitarista, além de não aceitar o papel de bobo da corte, resolvi me indignar de novo e me expressar através desse artigo. 
Desculpe o desabafo, caro leitor. Tem hora que o despudor deles atinge o limite figadal, e eu não sou nenhum Prometeu para suportar os abutres (era uma águia) comerem meu fígado com ares de fidalguia. Reflita você mesmo e veja se não é totalmente demais: o senhor prefeito em exercício, médico por ofício, ao final de março, quando a “vaca já foi pro brejo”, com pelo menos três anos de atraso, anuncia “Estado de Emergência” em relação à Dengue. Ora, o primeiro caso de dengue 4 foi detectado, em nossa cidade, em 15 de março de 2011; um ano após termos vivido a maior epidemia da nossa história (24.198 casos). Durante o governo Valdomiro, 16 rio-pretenses morreram de dengue hemorrágica. Isso é homicídio culposo!
Caro leitor! Para o bem da verdade, a dengue é fruto do descaso. A prevenção da epidemia deveria ter começado no ano que passou. É de julho a dezembro que se faz as ações de controle do Aedes. Mas 2012 era ano de reeleição, outras prioridades estavam em jogo e o seu dinheiro foi gasto na construção e na manutenção da “máquina eleitoral”. Acabada a eleição, o caixa estourou. Faltaram remédios, equipes foram desmontadas, relaxaram-se os controles, o mato cresceu, o lixo e os entulhos brotaram e a chuva de verão fez o resto. “Estado de Emergência” é brincadeira de mau gosto. Esse ano já foi. O que nos resta é torcer para que o frio venha logo e espante este mosquito daqui. Quem sabe o prefeito aprenda a lição e faça a coisa certa para os próximos anos.
“É pau é pedra, é o fim do caminho...”. Eu gostaria, imensamente, que este governo estivesse no fim, mas ele está apenas começando novamente. É uma pena que eu não posso continuar ouvindo, ao vivo, a música do Tom Jobim na voz de Elis: “São as águas de março fechando o verão e a promessa de vida no meu coração”. Como sanitarista o que vejo pela frente não é “promessa de vida”. Além da dengue, meningite e outras epidemias, avisto a leishmaniose bem próxima, na vizinhança, chegando à nossa cidade devido ao desprezo do poder público com a nossa saúde pública.

Médico sanitarista, doutor em 
saúde pública e professor da FAMERP.  

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