Num pequeno vilarejo no interior da Irlanda, em meados do ano de 1836, um professor londrino aproveitava alguns dias de folga, depois de dedicar parte dos últimos anos a estudar novas fórmulas para incrementar e desenvolver os serviços dos correios em seu país. A Grã-Bretanha passava por profundas transformações, fruto do impacto da chamada Revolução Industrial, numa transição radical da economia agrária para a industrial, e estava às vésperas da ascensão da rainha Vitória, que reinaria de 1837 a 1901, período que marcou o auge da hegemonia econômica inglesa. Ao sair da modesta hospedaria para um passeio matinal, o professor presenciou uma cena que alteraria profundamente seu projeto sobre os Correios ingleses e o tornaria uma das mais ilustres figuras da história da Filatelia.
Era, na verdade, uma cena comum, que não despertaria a atenção da grande maioria dos transeuntes. Uma jovem, empregada da estalagem onde se hospedara o professor, estava à porta do estabelecimento, quando se aproximou o carteiro para deixar a correspondência. Era regra naquele tempo que as cartas dos Correios fossem pagas pelo destinatário, e não por quem as remetia.
Cumprindo a tarefa, o estafeta entregou a carta à jovem, e permaneceu aguardando o dinheiro para o pagamento dos serviços. O porte médio das cartas no Reino Unido no período era de 1 shilling, considerado alto para a maioria da população. Após manusear o exterior da carta alguns instantes, sem abri-la, a jovem simulou espanto e a devolveu imediatamente ao carteiro, alegando dificuldades financeiras. Diante da negação, o carteiro afastou-se, levando consigo a correspondência, mais uma entre tantas outras destinada à incineração. Após assistir silenciosamente ao ocorrido, o professor não se conteve e foi ao encontro da jovem para indagar sobre o motivo da recusa:
Por que a senhorita não pagou pelo recebimento da carta? Por acaso era desconhecido o remetente?
Não, pelo contrário! Era uma correspondência de meu noivo, que está estudando em Londres.
Mas, então, qual a razão para recusá-la?
Tenho códigos previamente combinados com ele, que são marcados em forma de sinais no exterior da carta. Basta manuseá-la para entender a mensagem, sem a necessidade de abri-la, economizando o dinheiro da taxa dos Correios!
O professor, natural de Kinderminster (03/12/1795), de nome Rowland Hill, meditou sobre o fato, identificando claramente alguns pontos de vulnerabilidade do sistema postal, como o alto custo dos serviços e a possibilidade de os Correios realizarem o transporte de cartas sem a garantia de recebimento das taxas devidas pelos usuários.
Resolveu sugerir ao governo de Sua majestade uma decisiva modificação no sistema postal inglês, contendo dois pontos principais: a cobrança antecipada do valor do porte e a regulamentação da taxa segundo o peso, e não mais segundo a distância e o número de páginas, o que tornava extremamente complexa a operação de cálculo do valor.
Rowland Hill reuniu suas idéias principais no trabalho intitulado Post Office Reform: Its Importance and Practicability (Reforma Postal: Sua Importância e Praticabilidade) e, em 17 de agosto de 1839, as sugestões foram aprovadas pelo Parlamento inglês, sob alegação de que serviam "ao progresso comercial e ao desenvolvimento das classes mais favorecidas". Devemos lembrar que os detalhes em torno da transformação radical do deficitário sistema de correios na Inglaterra já se haviam iniciado na década de 1820, e muitos estudos indicavam soluções alternativas. Essas modificações buscavam, essencialmente, dinamizar os serviços de transporte de correspondência, atendendo à crescente demanda de uma sociedade em plena expansão comercial e capitalista, integrando as mais distantes regiões com eficiência e custo reduzido.
(continua na matéria abaixo).
Nenhum comentário:
Postar um comentário