Aninha nasceu lá no conjunto Renascer, naquelas casas de madeira, cresceu faceira, cheia de graça. Dançar então era sua maior diversão. Gostava de todo tipo de dança, mas encantou-se mesmo com o bailado das Portas-Bandeiras das Escolas de Samba. Com os olhinhos grudados na televisão, imitava quase todas, usando como bandeira um cabo de vassoura com um pano de prato amarrado na ponta. A mãe ria de tudo aquilo, enquanto Aninha era todo encantamento.
O tempo passou, e um dia ela foi trabalhar no Barracão da Império do Sol, aqui de Rio Preto. Foi contratada como mão de obra e cumpria essa função todos os dias. Fez amizades, aprendeu a profissão de aderecista e começou a ajudar a montar a fantasia da Porta-Bandeira da Escola. Um dia contou seu sonho. Esse sonho foi parar nos ouvidos do presidente da Escola que olhou para ela com carinho. Ninguém sabia, mas a antiga Porta-Bandeira havia desistido e ele procurava por uma substituta. Com instinto de quem está no samba há muito tempo, o presidente não titubeou e convidou Aninha para o posto da maior representante da agremiação. Aninha desmaiou. Acordou já tendo o compromisso de experimentar a sua vestimenta. Um espelho no Barracão refletiu a sua imagem que transbordou por todo o local. Aninha voltou no tempo, se viu dançando no quintal de sua casa e o transformou na Avenida. O sorriso não cabia em seu rosto.
Enquanto isso, nos bastidores, discutia-se a festa do Carnaval. O “seu presidente”, como ela o gostava de chamar, era só entusiasmo. Fez projetos, montou equipe, escolheu enredo, o samba, convidou cidades de fora para participar. Até o Balett da Cidade ele chamou. Trabalhou muito! Aninha via tudo aquilo e sentia orgulho do “seu presidente”. Sentia nele uma vontade enorme em colocar a sua Escola na Avenida. E ela seria a Porta-Bandeira. Ensaiava dia e noite, queria fazer bonito na passarela do samba e trazer a nota 10 para a sua agremiação.
Mas nos bastidores as coisas não iam bem. Ela sabia que “seu presidente” lutava muito para que o Carnaval acontecesse. Havia contratado até um escritório profissional em eventos, montado assessoria de imprensa, convidado a Casa do Hip Hop, o Folclore de Olímpia, a Escola Viva, gente de Bady Bassitt, de Bálsamo, de Buritama, de Cardoso, de Ibirá. Aninha sentia que “seu presidente” tinha muita vontade em colocar a Escola na Avenida. Desde julho ele trabalhava em seu projeto. Em setembro ela já trabalhava no Barracão. Todos ali tinham muita vontade em fazer o melhor para a Escola.
Mas um belo dia “seu presidente” chegou com um jornal na mão. Alguém ali decretava o fim do Carnaval. E o que é pior, afirmavam que as Escolas de Samba, entre elas, a comandada por “seu presidente”, não tinham vontade de desfilar. Aninha sabia que aquilo era uma tremenda mentira. A comunidade se esforçava, e muito, para adiantar os trabalhos. A sua Escola, como ela já considerava, queria muito desfilar, quem havia afirmado o contrário estava completamente enganado. Estava mentindo.
O Barracão silenciou, Aninha viu “seu presidente” deixar o jornal sobre uma mesa, pegar o pavilhão da Escola e sair cabisbaixo. Mas não foi só isso que ela viu. Olhou para o espelho do Barracão e viu aquela menininha, nascida lá no Renascer, dançando com um cabo de vassoura e um pano de prato amarrado na ponta ir se transformando aos poucos na Porta-Bandeira da Império do Sol. Dali ela foi parar na Avenida, linda, deslumbrante, cheia de alegria. Seu bailado era o de realeza, tinha um sorriso mágico nos lábios. De repente esse sorriso se apagou, não tinha ninguém na Avenida. Não fizeram o Carnaval. Alguém não quis realizar o sonho dela, daquela menininha do Renascer que sonhou um dia, ser a Porta-Bandeira da alegria!
Vicente Serroni
Presidente da Escola de Samba Império do Sol
Nenhum comentário:
Postar um comentário